O que é literatura transgressiva (transgressora)?
Por definição, a transgressão é o que ofende uma lei, regra ou código de conduta. Ao mesmo tempo em que não é transgressor falar sobre abuso, por exemplo, existe transgressão na forma de falar sobre abuso, como a autora Alissa Nutting mostrou no hipnotizante “Tampa”, não muito diferente de outro livro transgressor, “Lolita”, de Vladmir Nabokov. Os dois abordam o mesmo tema, pelo ponto de vista do abusador e com foco nos seus desejos e, por causa disso, serão sempre incômodos.
Aliás, parece que incomodar é uma das principais funções da literatura transgressora. As obras da autora brasileira Paula Febbe são um excelente exemplo do livro que você não consegue parar de ler, mas gostaria de ter forças para isso. Entre eles, o destaque é do “Mãos Secas com Apenas Duas Folhas”, inspirado pelo serial killer Albert Fish. Sobre o assunto, Paula diz: “Sabe quando você está sentado sobre sua perna e sente ela formigar pedindo uma troca de posição? Acho que é isso que a literatura transgressora faz: te incomoda até ser necessário que você troque de posição. No jeito que você lê, no jeito que você vê a vida, naquilo que já parecia certo, mas nunca havia sido”.

Em “Taboo, transgression in British Literature from the Renaissance to the Present”, o autor Stefan Horlacher diz: “Tanto temporal quanto geograficamente, os fenômenos do tabu e da transgressão podem ser considerados onipresentes, ou seja, existentes em todas as sociedades ou culturas e em todos os tempos. Se a onipresença dos tabus e sua influência nas estruturas sociais é geralmente aceita em relação ao passado, que um presente narcisista e supostamente iluminado vê com muita frequência com condescendência, senão com escárnio, o que é notável é o fato de que os tabus não apenas continuam a existir, mas pode-se dizer que estão florescendo. Uma breve referência aos debates recentes sobre politicamente correto, aos xiboletes em relação aos ataques terroristas de 11 de setembro, ou à questão contínua de como lidar com tópicos como o Holocausto, deveria ser suficiente para deixar este ponto claro.”
É impossível separar transgressão de tabu, mas o tabu não é o suficiente para tornar uma obra transgressora. O que é legal na literatura é que ela não tem uma “função” definida na sociedade. Pelo menos, não deveria ter. É claro que a literatura deveria nos fazer pensar, mas estímulo intelectual não falta no século XXI. O verdadeiro desafio é despertar a necessidade de refletir, numa época em que tudo é acessível. Na sala de estar, o mesmo homem que prega a moral e os bons costumes é o que, no banheiro, acessa os porões mais escuros da deep web para saciar os mesmos desejos de Humbert Humbert e Celeste Price.
Embora não seja fácil definir exatamente o que é a literatura transgressora, é fácil identificá-la. As listas curadas por escritores, editores e jornalistas mostram, invariavelmente, as mesmas obras. Nomes como Chuck Palahniuk, Irvine Welsh e Bret Easton Ellis são os mais recorrentes, embora mulheres como as citadas neste artigo estejam sendo, aos poucos, reconhecidas, também. Como alvos mais fáceis para críticas moralistas, surpreende que são delas as obras mais brutais. Enquanto o Humbert de Nabokov envolve o leitor, tornando-o cúmplice das suas perversidades e tentando se justificar, Celeste Price, de Nutting, nem se dá a esse trabalho, narrando a sedução de meninos pré-púberes com o orgulho e a depravação de um maníaco. Os protagonistas de histórias transgressoras têm essa característica. Para nós, leitores, são psicopatas, maníacos, pervertidos. Ou talvez, rotulá-los seja a única forma segura de tentarmos nos distanciar deles.
Uma coisa é certa: você reconhece um livro transgressor quando o lê. Você sabe que está longe de fórmulas e sente, a cada página, que está explorando território novo. Como leitor, sente repulsa e estranhamento. Pode ter uma reação o que é isso que eu estou lendo?, ao ler “A História do Olho”, de Georges Bataille, ou isso aqui é louco demais ao ler “Matadouro 5”, do Kurt Vonnegut. Em todos os casos, terminamos a leitura pedindo ar, como se emergindo de um lago pantanoso. E na maioria dos casos, prendemos a respiração e, voluntariamente, voltamos a submergir.
Em fevereiro, entra em pré-venda o primeiro livro publicado pela Rocket Editorial, “Secretária de Satã”, de Karine Ribeiro. Diabolicamente divertido, a obra é um romance de horror sem escrúpulos, narrada de forma crua e direta, por uma autora que será muito conhecida, muito em breve. A Rocket recomenda reservar um dinheirinho para apoiar essa publicação.